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Semana do Cérebro 2024: Entrevista com Giuliana Petiz Zugno!

Atualizado: 3 de mar.



Para explorar os bastidores da temática da XIII Semana Nacional do Cérebro, a LANECOM teve o prazer de entrevistar Giuliana Petiz Zugno, a mente responsável pela escolha da logo e do tema deste ano. Descubra os insights mais importantes e conheça a criadora por trás desse trabalho!

Vem com a gente acompanhar essa jornada incrível!



 

Como foi sua trajetória acadêmica e como você se interessou pela interseção entre Biotecnologia e Neurociência? Quais trabalhos você já desenvolveu na área?


No segundo mês após meu ingresso na graduação, o Grupo de Pesquisa em Neurobiotecnologia (GPN) da UFPel abriu vagas para iniciação científica (IC). Apesar de considerar a possibilidade de não ser selecionada, dado o estágio inicial do meu curso, decidi submeter minha candidatura. Para minha surpresa, fui uma das escolhidas e, ao longo dos próximos quatro anos de graduação, permaneci como IC do GPN sob a orientação da Professora Doutora Lucielli Savegnago, inicialmente como voluntária e, nos anos subsequentes, como bolsista. No laboratório, tive a oportunidade de participar de estudos sobre as bases farmacológicas e terapêuticas de compostos de organoselênio, bem como do desenvolvimento de probióticos com efeito antidepressivo por meio da modulação do eixo microbiota-intestino-cérebro.

Nos últimos anos, pesquisadores têm evidenciado que alterações na composição da microbiota intestinal podem estar associadas a diversas condições neurológicas, como ansiedade, depressão, autismo, doença de Alzheimer, entre outras. Por sua vez, essa relação é bidirecional: o cérebro também pode influenciar a composição dos microrganismos intestinais por meio do eixo neuro-hormonal, como o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, afetando, assim, o equilíbrio entre microrganismos benéficos e patogênicos, além de influenciar na integridade da barreira intestinal e hematoencefálica.

Para ilustrar, um dos estudos nos quais contribuí envolveu camundongos. Injetamos neles uma toxina chamada lipopolissacarídeo (LPS), capaz de desencadear uma resposta inflamatória e afetar a composição e diversidade da microbiota intestinal. Essas alterações resultaram no enfraquecimento da junção entre as células da barreira intestinal, permitindo a passagem de substâncias para a corrente sanguínea. Esse processo ativou células imunes que, ao combater corpos estranhos, também danificam células da barreira hematoencefálica. Com essa barreira enfraquecida, toxinas e microrganismos do sangue conseguiram atravessá-la facilmente, desencadeando uma neuroinflamação que se manifestou em comportamentos tipo-depressivos nos camundongos; é importante destacar que usa-se o termo tipo-depressivo, pois não há como afirmar que os animais estão com depressão, mas sim demonstram comportamentos relacionados a esse transtorno. 

Para avaliar o desempenho, submetemos os animais a atividades como permanecer em um tanque de água; aqueles que nadaram mais demonstraram melhor saúde. Os que permaneceram imóveis foram considerados com comportamento tipo-depressivo, pois não tentaram sair do ambiente desconfortável da água, indicando uma perda do instinto de sobrevivência. Esses experimentos nos permitiram tratar os animais que receberam LPS com uma levedura probiótica e avaliar se houve melhora em relação ao grupo não tratado.

A Dra. Paloma Birmann foi pioneira nessa linha de pesquisa no GPN, e seu estudo representa a interseção entre biotecnologia e neurociência, visto que a biotecnologia envolve o uso de agentes biológicos, tais como organismos, células, organelas, moléculas para desenvolver produtos ou processos. Nesse contexto, os probióticos, ou seja, organismos vivos, não patogênicos surgem como alternativa terapêutica para modular a microbiota intestinal e potencialmente melhorar a saúde cognitiva.


Qual foi o papel da divulgação científica que você realizou no Instagram de neurociência e biotecnologia? Como essa experiência influenciou sua visão sobre a comunicação da ciência? Você acredita que a divulgação científica é uma parte importante do trabalho de um cientista? Por quê?


Considero que a divulgação científica é uma parte crucial da profissão. Não há pessoa mais apta para traduzir conceitos científicos do que o próprio pesquisador imerso na área. Além disso, a divulgação é fundamental para demonstrar à sociedade o retorno do investimento na ciência e para combater a desinformação. Desse modo, ao falar sobre a divulgação para a sociedade, é importante incluir também a comunidade científica, uma vez que ninguém é especialista em todas as áreas. 

Se me deparo com um artigo sobre um tema distante da minha área de estudo, certamente enfrento dificuldades para entender e posso tirar conclusões distorcidas do assunto. Já se comentou amplamente que em 2020 a negação da ciência tornou-se fatal. Ao longo da pandemia, vidas foram perdidas para a COVID-19 mesmo com a negação de sua existência, e muitos líderes políticos falharam em apoiar medidas de prevenção eficazes. As pessoas têm uma tendência natural de se conectar com outras que compartilham valores semelhantes, e as mídias sociais intensificam essas alianças ao criar "bolhas" baseadas em algoritmos que consideram nossas preferências. Assim, a desinformação se multiplica e a negação da ciência cresce. Por isso, a divulgação científica representa uma maneira eficaz de superar essas barreiras à aceitação da ciência.

 Durante minha graduação, participei de alguns projetos de divulgação científica, principalmente durante a pandemia, quando muitos laboratórios criaram perfis no Instagram para divulgação, focando principalmente no combate à infodemia, que é a disseminação excessiva de desinformação. Dois projetos que me marcaram foram o “GPN nas redes sociais”, promovido pelo laboratório onde fiz minha iniciação científica, e que objetivava disseminar o conhecimento da neurociência e desmistificar neuromitos; e o @talkscience_, um projeto inicialmente inspirado no Festival Pint of Science, que se adaptou às circunstâncias da pandemia migrando de eventos presenciais para o Instagram. O que mais me motivou a participar desses projetos foi a oportunidade de dialogar com a comunidade. Cabe a nós, profissionais que entendemos de determinada área, traduzir as informações de forma acessível e honesta ao público como uma forma de democratizar o conhecimento, permitindo a construção de uma sociedade mais crítica que apoie a ciência. Desse modo, eu gostava muito de criar postagens para o Instagram e aprendi muito com isso. Além do desafio de transmitir informações de forma rápida e didática, enfrentava dificuldades em encontrar imagens na internet que fossem claras e simples. Decidi, então, me aventurar na ilustração digital, especialmente porque sou uma pessoa visual e reconheço que muitos têm pouca paciência para ler longos textos. Encontrei, assim, um novo hobby que não apenas me cativou, mas também aumentou meu entusiasmo pela divulgação da ciência, pois percebi que poderia utilizar meus próprios desenhos para transmitir conhecimento.



Considero que a divulgação científica é uma parte crucial da profissão. Não há pessoa mais apta para traduzir conceitos científicos do que o próprio pesquisador imerso na área. 

Você pode explicar mais sobre o tema que propôs para a Semana Nacional do Cérebro, a “Odisseia Neurocientífica”? Como você vê a interconexão entre neurociência e avanços tecnológicos, e como isso se relaciona com o poema “Odisseia” de Homero?


Desde o início, eu sabia imediatamente que queria trabalhar com a ideia de inovação e inteligência artificial, que está em alta agora, principalmente com notícias como a implantação de chips cerebrais pela empresa de Elon Musk, a 'Neuralink', que tem dividido opiniões de especialistas; também a ideia de edição gênica e todos esses aspectos que remetem à ficção científica, mas que hoje já são uma realidade, ou então, em breve se tornarão realidade. Com o tema definido, a parte mais desafiadora foi pensar em uma forma de representar a ideia por meio de uma ilustração que não ficasse muito carregada em elementos. Eu não tenho muito know-how na parte de design, mas eu sei que uma logo, em teoria, é uma imagem mais simples e possível de ser visualizada em diferentes escalas. Logo, eu fiz vários rascunhos diferentes até chegar à ilustração que considerava mais próxima do possível logo dentro das minhas habilidades, sendo ele composto por quatro elementos principais:


(1) A parte colorida representa o conectoma, inspirado na capa do livro "Neurociências" de Mark Bear, uma das literaturas de referência no estudo das neurociências. Esse conectoma seria o mapa das conexões neurais que fornecem informações sobre como essas redes são organizadas. E para conseguir esse tipo de imagem é usado uma combinação de tecnologias de imagem com ressonância magnética funcional, ressonância magnética de difusão, eletroencefalografia, microscopia, etc. Existe um projeto lançado em 2009, chamado Projeto Conectoma Humano, que envolve um grande grupo de equipes de pesquisa concentrando esforços para compreender o funcionamento das redes neurais a partir de sua estrutura e, com isso, tentar entender, em um aspecto mais estrutural, como as conexões de um cérebro humano saudável se diferem naqueles com distúrbios neurológicos ou doenças neurodegenerativas. E, a partir disso, construir teorias que relacionam funções à conectividade anatômica com determinados comportamentos.


(2) Envolvendo o conectoma, temos o encéfalo (cérebro + tronco encefálico + cerebelo) em um estilo que remete ao circuito de uma placa mãe, para representar a ideia de ligação com o aprendizado da máquina que teve seus primeiros passos no final dos anos 90 quando a IBM (International Business Machines Corporation) desenvolveu o supercomputador Deep Blue para jogar xadrez. Utilizando técnicas de busca em árvore e avaliação de posições, o Deep Blue foi testado em uma partida histórica contra o campeão mundial Kasparov. A partir daí, novos sistemas mais modernos e otimizados passaram a ser desenvolvidos até chegarmos atualmente em técnicas de aprendizado profundo e nos algoritmos de inteligência artificial (IA). Para a neurociência, essas ferramentas baseadas em IA surgem como poderosos recursos para predizer significados em meio à complexidade das conexões neurais que compõem nossa mente, contribuindo para um entendimento mais profundo e preciso da atividade neural. Um exemplo mais concreto disso é o que chamamos de reconstrução: uma técnica que envolve examinar a atividade cerebral de alguém e, com base nisso, reconstruir os pensamentos ou imagens que essa pessoa está experimentando. Um dos neurocientistas pioneiros nesse campo é Jack Gallant. Em seus estudos, voluntários são submetidos a ressonância magnética enquanto expostos a diferentes estímulos visuais. Observando apenas a atividade cerebral registrada durante essa exposição, programas de computador conseguem reconstruir as imagens visualizadas pelos participantes com notável precisão (parece algo saído de um enredo de ficção científica). Mas, se formos pensar, isso pode se tornar uma ferramenta extremamente útil. Imagine pessoas com paralisia dos membros ou outras dificuldades motoras sendo capazes de controlar dispositivos como braços robóticos apenas com o “poder da mente”. Da mesma forma, indivíduos com deficiências visuais ou auditivas poderiam recuperar parte de sua capacidade sensorial através da estimulação artificial de padrões neuronais específicos. Essas aplicações têm o poder de revolucionar a qualidade de vida de muitas pessoas, oferecendo novas formas de independência e funcionalidade. Além das ferramentas aplicadas à prática clínica, existem também aquelas voltadas para a bioinformática, como é o caso do Alphafold, usado em estudo e predição, baseada em IA, das estruturas, dobramento e funções de proteínas, bem como possíveis correlações com doenças e sua viabilidade como alvos para o desenvolvimento de novos medicamentos.


(3) De onde partiria a medula espinal, eu desenhei um DNA para ilustrar o conceito de vida e engenharia genética, pois nosso código genético é a base de muitas das características que nos definem, juntamente com a influência do ambiente. Assim, conhecer o código genético nos permite entender melhor os mecanismos por trás de diversas patologias e com isso pensar em estratégias de tratamento. Nos últimos anos, os cientistas têm utilizado técnicas de sequenciamento genético para descobrir genes que são importantes no desenvolvimento do sistema nervoso, bem como aqueles envolvidos em doenças como o Alzheimer, Parkinson, Huntington, etc. E não só isso, como também é possível utilizar a manipulação genética para transferir mutações associadas a essas doenças para modelos animais relevantes de estudo. Isso permite a criação, por exemplo, de ratos geneticamente modificados que desenvolvem a doença desejada, proporcionando uma plataforma para testar diferentes intervenções farmacológicas em busca de tratamentos eficazes. Mas claro, sempre respeitando os aspectos legais, éticos e morais, que priorizem o bem-estar animal nesse tipo de pesquisa.


(4) Por fim, a face humana computadorizada captura a essência da união entre tecnologia e biologia. Assim, todos esses elementos juntos simbolizam essa interconexão entre a neurociência e os avanços tecnológicos. 

Até alcançarmos esse estágio na nossa história, gerações de pesquisadores fizeram contribuições extremamente significativas. A partir daí, surge a ideia de Odisseia Neurocientífica como uma metáfora para descrever a jornada intelectual na investigação dos mistérios do sistema nervoso. O termo odisseia tem origem na literatura grega, mais especificamente atribuída à obra "Odisseia" do poeta Homero, que narra as aventuras de Ulisses enquanto ele tenta retornar para sua terra natal, Ítaca, depois da Guerra de Tróia, em uma jornada que durou anos e foi marcada por muitas aventuras e dificuldades. Essa história se tornou tão influente que o termo "odisseia" passou a ser usado para descrever jornadas longas, cheias de obstáculos e acontecimentos extraordinários. Então, assim como Ulisses, que desbravou mares desafiando os limites do que era conhecido, os neurocientistas embarcam constantemente em uma jornada para desvendar os processos neurais. O avanço nessa jornada de conhecimento só se tornou possível devido à tecnologia e à inovação que oferecem novas possibilidades para explorar e entender os enigmas do cérebro. Um marco muito importante foi o surgimento do microscópio, que permitiu a Ramón y Cajal propor a "doutrina neuronal"; isso é, ele elucidou que os neurônios eram células individuais que se comunicavam umas com as outras ao invés de serem uma rede contínua. Posso citar também a eletroencefalografia, que, com quase um século de trajetória, é uma ferramenta muito útil para o diagnóstico de epilepsia, distúrbios do sono, etc. E, mais recentemente, as técnicas de imageamento como a tomografia e a ressonância magnética; essas inovações não só expandem nossa compreensão do funcionamento neural, mas também impulsiona avanços cruciais no desenvolvimento de medicamentos para transtornos e tecnologias de reabilitação neurológica. Como biotecnologista, gosto de citar a técnica de CRISPR, descoberta por Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier,  essa tecnologia abre muitas portas na era da pesquisa genética, tanto para a compreensão dos fatores genéticos relacionados a doenças, sejam elas neurológicas ou não, quanto para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas e modelos transgênicos. A optogenética também é uma tecnologia que tem transformado a paisagem da pesquisa neurocientífica, possibilitando a inserção de genes específicos em células nervosas para torná-las sensíveis à luz. Quando estimuladas por luz de uma determinada cor, essas células podem ser ativadas ou desativadas, permitindo uma manipulação precisa. Essa abordagem tem se mostrado incrivelmente útil para investigar como diferentes neurônios se comunicam e sua relação com diversos comportamentos e doenças. Dá para se dizer que essas e muitas outras inovações desempenham um papel fundamental na "Odisseia Neurocientífica". A promoção dessas tecnologias não é somente uma aspiração acadêmica, mas uma contribuição para a sociedade. Voltando à analogia do poema de Homero, assim como Ulisses, que ao voltar para Ítaca trouxe consigo a sabedoria adquirida em sua jornada, os neurocientistas, ao desvendarem os mistérios do cérebro, contribuem para o progresso em busca do bem-estar da humanidade. Mas ao mesmo tempo, não podemos esquecer que essa jornada assume também contornos épicos, pois não se pode falar de avanços científicos sem trazer a discussão de questões éticas. Ou seja, é preciso equilibrar a ousadia da descoberta com a responsabilidade moral e ética.



Então, assim como Ulisses, que desbravou mares desafiando os limites do que era conhecido, os neurocientistas embarcam constantemente em uma jornada para desvendar os processos neurais. O avanço nessa jornada de conhecimento só se tornou possível devido à tecnologia e à inovação que oferecem novas possibilidades para explorar e entender os enigmas do cérebro.

Quais são os principais desafios que você considera que os neurocientistas enfrentam ao desvendar os intrincados circuitos dos processos neurais, e como a tecnologia tem ajudado nesse processo?


Estamos testemunhando um momento de avanço tecnológico sem precedentes, com o desenvolvimento de microscópios de alta resolução e a criação de bancos de dados de imagens cada vez mais abrangentes. Além disso, a recente ascensão da inteligência artificial possibilita a análise de imagens e dados de forma autônoma, algo que, há pouco tempo, demandaria o trabalho de várias gerações de pesquisadores para ser concluído. Embora essa perspectiva seja otimista, é importante reconhecer que ainda há muito a evoluir nesse campo; e os custos para a aplicação dessas técnicas são consideravelmente altos, o que limita o acesso e a oportunidade de utilização para muitos. Além disso, é crucial reconhecer que nosso sistema nervoso é altamente adaptativo e constantemente passa por mudanças plásticas. Sinapses podem ser formadas, eliminadas, fortalecidas ou enfraquecidas, e essas transformações são, em parte, determinadas por nossos genes, que por sua vez são influenciados pelo ambiente e pelas experiências vivenciadas. Como resultado, assim como nossas impressões digitais, nossas conexões neurais são únicas. O conectoma humano, composto por cerca de 86 bilhões de neurônios que estabelecem cerca de 100 trilhões de conexões entre si, é um testemunho desse complexo sistema. Embora ainda não saibamos com certeza o que reside por trás dessas conexões, teoriza-se que nossas memórias estão armazenadas em diferentes padrões de conexões, desempenhando um papel fundamental em diversos aspectos de nossa identidade. Certamente, há uma série de desafios no campo das neurociências, que vão desde questões logísticas, como a disponibilidade de recursos e infraestrutura, até limitações experimentais. Entre esses desafios, gostaria de dar um destaque especial aos relacionados a aspectos translacionais e éticos. Experimentos que envolvem humanos e animais são tecnicamente desafiadores, dispendiosos e, devido a questões éticas e técnicas, muitas vezes impraticáveis. Embora a simulação computacional traga benefícios consideráveis para a neurociência, ainda enfrentamos limitações em nossa compreensão do sistema nervoso para criar um modelo que substitua integralmente a experimentação. Portanto, o uso de animais, selecionados por suas semelhanças genéticas e organizacionais com os humanos, é necessário para ampliar nosso conhecimento. Entretanto, apesar desses modelos desempenharem um papel crucial na ciência atual, infelizmente, os resultados desses estudos nem sempre se traduzem diretamente em avanços nas fases clínicas. A neurociência tem o potencial de gerar enormes benefícios, mas devemos estar cientes das preocupações sociais amplamente implicadas em nossa área de atuação. Vou tentar dar um exemplo dessa reflexão: Em teoria, ao estimular neurônios específicos em nosso córtex visual com o padrão correto, é possível recriar a experiência visual associada à imagem representada por esse padrão. Essa é, essencialmente, a premissa por trás das interfaces cérebro-computador. Portanto, a substituição do olho humano por uma câmera e um computador, acoplado a um eletrodo capaz de estimular padrões neurais específicos no córtex visual - representando a imagem capturada pela câmera - pode oferecer uma promissora perspectiva de restaurar a capacidade visual em pessoas com deficiência nesse sentido. A Second Sight foi pioneira no desenvolvimento de um implante conhecido como Argus II, sendo a primeira prótese de retina a oferecer visão biônica a pacientes com deficiência visual. Esses indivíduos passavam por uma cirurgia de implantação de eletrodo, um chip condutor de eletricidade. Após o implante, os pacientes utilizavam um par de óculos equipados com uma câmera para capturar imagens, que eram então enviadas para um computador. Nesse ponto, as imagens eram analisadas e transformadas em representações pixeladas semelhantes aos objetos capturados pela câmera. Essas informações eram transmitidas ao eletrodo, o qual estimulava a retina em padrões específicos. Os sinais resultantes eram então encaminhados ao nervo óptico e, posteriormente, ao córtex visual, permitindo que o paciente interpretasse esses sinais como percepção de objetos pixelados. Lamentavelmente, devido aos custos associados à pesquisa, a Second Sight interrompeu suas atividades, deixando de fornecer suporte para seus dispositivos e aos pacientes que dependiam do Argus II. Isso evidencia que a tecnologia é uma faca de dois gumes: apesar de seus benefícios, também traz novos desafios. Mais recentemente, podemos citar também a Neuralink, que obteve aprovação da FDA para começar testes clínicos para implantação de microchips em humanos, com a promessa de proporcionar a capacidade de visão a pessoas com deficiências visuais. Essas perspectivas são inovadoras e apresentam um enorme potencial, mas é crucial considerar questões importantes que surgem junto com elas. Por exemplo, a velocidade com que a tecnologia avança pode tornar os dispositivos obsoletos rapidamente. Além disso, quando se trata de um eletrodo implantado na retina ou abaixo do crânio, substituí-los ainda não é uma opção fácil e segura. Existem também muitos outros aspectos éticos envolvidos, como privacidade, consentimento informado e equidade no acesso. Portanto, é fundamental que sejamos extremamente cautelosos ao introduzir essas novas tecnologias às pessoas e considerar como elas receberão suporte ao longo de suas vidas, garantindo que os benefícios superem os riscos e desafios associados.

Quais são seus planos futuros na área da neurobiotecnologia e divulgação científica?


Embora mantenha uma paixão imensa pela biotecnologia e pela pesquisa na área, recentemente redirecionei um pouco meu foco ao ingressar no Programa de Pós Graduação em Neurociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como mestranda do Laboratório de Psicobiologia e Neurocomputação (LPBNC), sob orientação do professor Jorge Quillfeldt. A linha de pesquisa com a qual estou envolvida baseia-se na investigação da dinâmica do perfil temporal de consolidação sistêmica pelo córtex pré-límbico na evocação de memórias de medo. Em outras palavras, estudo o tempo necessário para que memórias relacionadas a eventos traumáticos tornem-se fortemente dependentes do córtex pré-límbico para serem lembradas. Isso ocorre porque o conhecimento atual sobre a formação de memórias de fatos e eventos indica que elas passam por um processo gradual de estabilização ao longo do tempo, começando no hipocampo. Ao longo de dias ou semanas, o hipocampo transfere a responsabilidade de armazenar a memória para regiões corticais, incluindo o córtex pré-límbico. No LPBNC, destaca-se a composição multidisciplinar do grupo, e como única biotecnologista integrante, sinto que posso contribuir trazendo mais aspectos de tecnologia aplicada à neurociência para as discussões, ao mesmo tempo que aprendo muito com meus colegas. No que diz respeito à divulgação científica, sempre considerei-a um pilar fundamental de minha formação. No PPG-Neurociências da UFRGS, mantemos a página no Instagram, @sinapticando, com o propósito de divulgar a neurociência. Embora ainda não tenha me envolvido ativamente em projetos de extensão devido ao processo de adaptação à nova universidade, pretendo ingressar em breve.


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